O Dobro da Pena, o Mínimo de Justiça: Reflexões sobre a nova qualificadora do crime de ameaça contra mulheres

A recente promulgação da Lei nº 14.994/2024, que alterou o artigo 147 do Código Penal, representa um avanço relevante no enfrentamento da violência de gênero. A lei inseriu o §1º ao artigo, prevendo que “se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do §1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro”. Trata-se de uma nova qualificadora do crime de ameaça, com impactos não apenas na pena, mas também na forma como esse tipo penal será processado.

A pena-base do crime de ameaça — que era de um a seis meses de detenção ou multa — agora pode chegar a um ano de detenção, além da multa, quando a conduta tiver motivação discriminatória de gênero. A mudança é significativa e altera a resposta do Estado a esse tipo de violência, que muitas vezes é visto como “menor”, apesar de frequentemente ser o primeiro sinal do ciclo de violência doméstica.

Além do aumento da pena, a nova lei trouxe uma consequência prática de enorme relevância: o crime de ameaça contra a mulher por razões da condição do sexo feminino não é mais condicionado à representação da vítima. Em outras palavras, a mulher não precisa mais manifestar formalmente o desejo de que o agressor seja processado. A partir de agora, nesses casos, o Ministério Público poderá promover a ação penal independentemente da vontade da vítima, uma vez que a infração penal passou a ser processada por ação penal pública incondicionada.

Essa mudança busca justamente evitar situações de constrangimento ou revitimização, em que a mulher se vê obrigada a decidir, sob pressão emocional e social, se deseja ou não dar seguimento à responsabilização do agressor. Ao retirar esse ônus da vítima, o Estado assume o papel que lhe cabe no enfrentamento da violência de gênero, sinalizando que essas condutas não são apenas lesões privadas, mas ofensas graves à dignidade humana.

Implicações práticas: entre o papel da polícia, do Judiciário e da defesa

Na prática forense, essas alterações exigem atenção redobrada. A polícia judiciária deve registrar e investigar o crime mesmo sem a representação formal da vítima, desde que haja indícios de que a ameaça tenha sido motivada por razão do sexo feminino. O Ministério Público terá maior protagonismo na análise do caso e poderá oferecer denúncia diretamente, sem necessidade de manifestação da ofendida.

Já o Judiciário deverá fundamentar a aplicação da nova qualificadora com base no contexto probatório, distinguindo com clareza quando se trata de violência de gênero e quando o conflito extrapola esse recorte. Não se trata de transformar todo e qualquer desentendimento em violência de gênero, mas sim de reconhecer quando a ameaça está a serviço de práticas de dominação, controle ou inferiorização da mulher — situações infelizmente ainda recorrentes.

Nesse cenário, a atuação da defesa também ganha novas complexidades. Será necessário avaliar criteriosamente os elementos que caracterizam a motivação de gênero, evitando generalizações ou interpretações apressadas que possam gerar condenações indevidas.

A importância de uma assessoria jurídica especializada

Com a mudança no regime da ação penal e a duplicação da pena, torna-se ainda mais necessário contar com assessoria jurídica especializada. Para as vítimas, isso significa ter respaldo técnico para entender seus direitos, pedir medidas protetivas eficazes e acompanhar o processo com segurança e acolhimento. Para os acusados, trata-se de garantir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, principalmente quando houver dúvida sobre a aplicação da qualificadora.

O Direito Penal, sobretudo quando lida com temas tão sensíveis quanto a violência de gênero, não pode ser tratado de forma automática. Ele exige escuta, sensibilidade, técnica e, acima de tudo, responsabilidade. Profissionais especializados conseguem enxergar nuances, contextualizar provas e atuar com foco não apenas na legalidade, mas na justiça.

Considerações finais

A Lei nº 14.994/2024 é um marco importante na proteção das mulheres, sobretudo ao retirar delas o peso da iniciativa para responsabilizar seus agressores. Quando o Estado assume esse papel, transmite à sociedade uma mensagem clara: a violência de gênero não é problema privado, mas questão pública e urgente.

Ainda assim, para que a nova legislação cumpra seu papel de forma justa e eficaz, é fundamental que cada caso seja analisado com o cuidado que merece. Nem todo conflito é violência de gênero — e quando for, deve ser tratado com toda a seriedade possível. A assessoria jurídica especializada é, portanto, uma ferramenta indispensável na busca por uma justiça verdadeiramente protetiva, responsável e humana.

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